- 01 Mar, 2017
- 1108
O dia em que a máquina pensou sozinha
O tradutor do Google é uma ferramenta gratuita a que recorremos no dia a dia, sem que normalmente tenhamos curiosidade em saber como funciona ou que operações realiza para nos oferecer a tradução que pedimos. Do chinês para português, de inglês para croata, de italiano para grego... a multiplicidade de línguas implica um sistema sofisticado que, de há uns anos a esta parte, tem sido programado e trabalhado para evoluir em permanência. Uma evolução que resulta na atual oferta de 103 línguas e a tradução de 140 mil milhões de palavras todos os dias.
Em setembro de 2016 O Tradutor Google passou a utilizar o sistema GNMT (Google Neural Machine Translation) para melhorar a qualidade das traduções.
No sistema anterior a tradução era feita frase a frase, ao mesmo estilo do nosso uso de um dicionário, palavra a palavra, só que entregando resultados muito mais rápidos. Com o novo sistema, o Tradutor consegue aprender através da utilização. Contexto, tom e significado das frases são entendidos pelo Tradutor, que consegue assim oferecer uma tradução mais fiel à intenção de quem quer traduzir. E foi com a implementação desta mudança no sistema que o Google Translate parece ter resolvido inventar a sua própria interlíngua. Foi pelo menos esta a notícia que correu pela internet no final de 2016 e que ganhou novo relevo ao ser chamada a publicações como o Medium já no início deste ano.
A publicação original saiu no Google Research Blog com um nome pouco convidativo mas aí se explica o fenómeno que ocorreu e as chamadas traduções zero-shot. Com o GNMT o Tradutor parece ter recorrido a uma terceira língua, para mediar entre duas línguas para as quais ainda não tinha sido programado ainda.
Isto é, tendo sido programado para saber traduzir Inglês para japonês e inglês para coreano, ao ser pedido para traduzir de japonês para coreano o Google foi capaz de recorrer, por sua autorrecriação, aos conhecimentos de inglês para mediar essa tradução.
A parte revolucionária desta informação reside na hipótese de um sistema ter sido capaz de incluir neste processo uma nova língua (que une as três línguas em tradução – uma mistura de japonês-inglês - coreano), para facilitar a sua tarefa. O sistema conseguiu ter ainda "perceção" da semântica da frase e não apenas fazer uma identificação gramatical das palavras que a compõem. Gil Fewster foi um dos autores mais entusiastas a dar eco a esta notícia, mas veio depois acrescentar ao seu artigo os comentários deixados por especialistas em redes neurais e sistemas de aprendizagem computacionais, que aconselharam alguma calma.
Apesar de não ser talvez tão empolgante e revolucionário como Fewster entendeu inicialmente, a verdade é que, esta notícia, demonstra que houve uma transferência de aprendizagem não programada. O Google descobriu um atalho para facilitar a sua tarefa de tradução e aprendeu a incorporá-lo sem ter indicações para tal. Mas para especialistas, que também comentaram artigo, como Chris McDonald’s e Nafrondel, estamos ainda longe de presenciar aquilo a que quase chamámos de inteligência humana e tomada de decisão autónoma por parte de um software.
A linguagem universal, a interlíngua, é já objeto de estudo do domínio da Linguística e da Psicologia há muitos anos e permite descobrir pontos de contacto entre as várias línguas humanas. Este é um conhecimento que permite identificar padrões entre as línguas e que terá sido esta capacidade, mais do que um "salto de gigante" na programação e inteligência artificial, que permitiram esta proeza do tradutor Google de, autonomamente, recorrer a uma terceira linguagem para mediar traduções.